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Por Ester Coelho
Embates jurídicos

Após luta do movimento ambientalista que durou 40 anos, o Parque do Cocó foi regulamentado pelo Governo do Estado do Ceará no dia 4 de junho de 2017. A região da Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie), que protege as Dunas milenares do Cocó, não ficou dentro dessa demarcação. Dois meses após a regulamentação do Parque, a Emenda 221 de 2017, adicionada no dia da votação que atualizou a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos), revogou a Arie. Este fato remonta ao histórico de lutas pela área das Dunas do Cocó, que tem sido alvo de especuladores desde os anos 1970.

Loteamento Jardim Fortaleza

 

A Prefeitura Municipal aprovou em junho de 1976 a divisão de loteamentos nas Dunas do Cocó, onde nasceu o chamado Loteamento Jardim Fortaleza. O espaço é caracterizado por lutas a favor e contra a intervenção humana desde a época da aprovação do projeto, quando as legislações tanto ambientais quanto de planejamento urbano sofreram mudanças.

O terreno, à época pertencente à Construtora Waldyr Diogo, originalmente possuía 60 hectares e foi dividido em 28 quadras Seis meses depois, os números das quadras e a planta do plano original mudaram, e os que constam atualmente em processos jurídicos como referentes aos 15 hectares das Dunas são os de número 17, 18, 19, 23, 24, 25, 30, 31 e 32.

​Como forma de defender o local, a lei que estabelece a Arie foi criada em 2009 durante o governo da prefeita Luizianne Lins. A proposta aprovada foi redigida pelo então vereador João Alfredo. “Os especuladores foram à justiça para declarar a lei inconstitucional e o tribunal julgou pela constitucionalidade da lei. No entanto, eles continuaram tentando sempre derrubar essa lei, às vezes na câmara, às vezes na justiça,” comenta. Ele conta que a lei foi proposta para proteger as Dunas do Cocó após tratores retirarem areia do local para utilizar em construções, em dezembro de 2008. 

​Também em 2009, foi instituído o Plano Diretor do Município, que caracterizou a região da Arie como uma Zona de Interesse Ambiental (ZIA), flexibilizando o uso da região. O Plano Diretor prevê, no artigo 73, disciplinar o processo de uso e ocupação do solo e regular a utilização admissível desses locais. Porém, de acordo com o Código Florestal Brasileiro, de instância federal, qualquer tipo de intervenção nas dunas não são permitidas por estarem localizadas em uma Área de Preservação Permanente (APP).

Este conflito de legislações é alvo de um embate jurídico entre quem defende e quem critica a apropriação da área das dunas para construção. A professora de Direito Ambiental da UFC, Geovana Cartaxo, afirma que as exceções para uso do local previstos no Código Florestal considera apenas atividades de interesse social, utilidade pública ou de baixo impacto. “Eu não vejo como enquadrar um empreendimento imobiliário em nenhuma dessas três exceções que o Código Florestal permite. Não seria o caso, na minha primeira avaliação, de um empreendimento imobiliário de grande porte,” opina.


Em outubro de 2011, o juíz Francisco Chagas Barreto, da 2ª Vara da Fazenda Pública, determinou a renovação do licenciamento dos Lotes Jardim Fortaleza, permitindo que construções poderiam ser feitas nas dunas. Na mesma época, o Instituto Ambiental Viramundo entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) por meio de pedido de recurso da Prefeitura de Fortaleza à Procuradoria Geral do Município, e ganhou.


A sentença foi suspensa pelo Desembargador Arísio Lopes, na época presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Josealdo Lopes, atual Diretor executivo do Instituto Ambiental Viramundo e então presidente, explica que, como a área é propriedade privada, o empreendedor poderia manter diversos investimentos em Ecoturismo no local. “Seria um espaço que poderia fazer atividades de ecoturismo para manter a área preservada e ao mesmo tempo aceitar a visitação, o conhecimento, o estudo [...],” afirma.


A chamada Acecol, Associação Cearense dos Empresários da Construção e Loteadores, que reúne cinco empresas de construção do Estado, é a parte que reivindica a permissão para a construção dos edifícios na área. A empresa Waldyr Diogo, que segundo documentos constitui a Associação, é citada como proprietária de quadras dos lotes das Dunas do Cocó. Na época da Ação Pública, a Acecol recorreu contra o ato na justiça através de uma petição. A mesma defendeu judicialmente a legalidade do Loteamento Jardim Fortaleza e da denominação da área como uma ZIA.

A produção desta reportagem procurou a Associação durante duas semanas, mas não obteve resposta até a finalização desta edição. A Central Park, empresa que faz parte da Acecol, citada em processos jurídicos referentes à construção do projeto, preferiu não se manifestar sobre o assunto.
 

Situação atual


Desde 2016, vinha sendo discutido um projeto de atualização da Luos, desenvolvido por uma equipe de técnicos da prefeitura e da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, a SEUMA. No dia 8 de agosto de 2017, a Câmara dos Vereadores votou o projeto e a proposta aprovada continha a emenda 221, que altera o Artigo 283 da Luos e revoga a Arie das Dunas do Cocó.


A emenda em questão foi incluída pelos vereadores em um bloco de votação junto a outras 15. Segundo o vereador Guilherme Sampaio, a votação em blocos compreende no processo de votar diversas emendas juntas, ou seja, em apenas um processo de votação serem apreciadas todas as emendas de uma única vez - desde que elas possuam no mínimo 15 assinaturas de vereadores. Neste caso, a emenda que revogou a ARIE não foi votada individualmente, mas sim em conjunto com outras que seriam inseridas à atualização da Luos.

O ambientalista Célio Studart é um dos 33 vereadores que assinaram como co autores da emenda que revogou a Arie das Dunas, mas não esteve presente durante a votação. 15 dias depois, no dia 23 de agosto, o vereador publicou uma nota em seu blog na qual afirmou ser a favor da preservação das Dunas do Cocó. A reportagem tentou contato com Célio Studart por meio de sua assessoria, no entanto, não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

















 

 

Após a revogação da Arie, representantes da sociedade civil e movimentos ambientalistas afirmaram que o processo que extinguiu a lei comete retrocesso ambiental. Geovana Cartaxo explica que, como a Arie das Dunas foi criada por uma lei, somente lei específica poderia justificar a sua mudança ou redução, desde que não afetasse o seu atributo principal - as Dunas. Segundo ela, a Luos não é uma lei específica e o que estava previsto nela ia em contra da preservação dos atributos principais da Arie, permitindo uma ocupação da região.

Além disso, a promotora titular da terceira promotoria de justiça do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), Socorro Brilhante, afirma que não houve participação social e nem planejamento urbanístico durante a atualização da Luos. Foi após a divulgação na mídia sobre a decisão da câmara dos vereadores de revogar a Arie que o MPCE agiu. “Na última audiência pública, que inclusive foi convocada pelo MPCE, ficou claro que as universidades e os movimentos sociais manifestaram indignação ao tratamento que foi dado aos seus questionamentos,” disse.

A decisão de suspender a emenda pode se tornar definitiva caso a justiça declare a inconstitucionalidade do artigo que a extingue. A prefeitura tem até o mês de dezembro de 2017 para recorrer à decisão da justiça. Em nota, sua assessoria afirmou que até o momento não possui definição de que recurso deverá ser apresentado. A atual revogação da Arie entra para o histórico da luta pela preservação das Dunas do Cocó.

Fonte: Câmara Municipal de Fortaleza

Design: Lucas Casemiro

Foto: Reprodução/Facebook

Denúncia


No dia 1 de dezembro de 2017, fotos de agressão ao solo das Dunas do Cocó foram postadas em grupo denominado ‘Pró-árvore’, que reúne ambientalistas e simpatizantes da causa ambiental no Facebook. Sobre este caso, o ambientalista João Alfredo diz ter acionado o MPCE, que se comprometeu a tomar as medidas cabíveis em relação ao caso. Os órgãos fiscalizadores do município e estado também foram contatados, assim como o Ibama, para analisar o caso.


A Secretaria Estadual do Meio Ambiente, SEMA, disse por assessoria que fiscais do órgão, da Semace, da Seuma, da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) e Ibama compareceram ao local e o relatório técnico ficou sob responsabilidade da Agefis. Procurada, a Agência disse por meio de sua assessoria que não tem responsabilidade sobre o caso por a área ser legalmente protegida pelo Estado.

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